terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Vai passar...


Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca".

Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.

Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.


Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.


Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto


sábado, 4 de dezembro de 2010

Nobrezas Horríveis (Caio Fernando Abreu)



"Era nesse pé que as coisas estavam quando. E quase não havia nada a acrescentar, porque nada acontecia entre eles, a não ser, utilizando certa nor-ma-ti-vi-da-de e não necessariamente nesta ordem: a) Climas Indefiníveis; b) Sutilezas Indizíveis; c)Nobrezas Horríveis. Nomeava assim. Horríveis com maiúscula, porque mesmo não tendo que justificar-se, enfim e ao cabo: nobreza em excesso roia por dentro, isso era como a conseqüência de uma aprendizagem instalada agora dentro do quarto. Como se por baixo do longo cano de uma luva branca imaculada, por trás do rendilhado dos canutilhos houvesse garras torcidas, esguias feito torres góticas, arranhando vidraças fechadas na treva.

Mas assim era. Caminhava na rua sem tocar na rua, conseguia. Movimentava-se entre espelhos. Caminhar na rua: jogo de infinitos. O de agora remetendo ao de antes, que refletia o depois, que era algo bem próximo do agora, e assim por diante ad infinitum circular. Tudo refletia-se. Cada reflexo o devolvia a algo que não a ruapropriamente dita. Essa, por onde caminhava.


Poder-se-ia argumentar contra ele que isso não passava de mais um meio de não se comprometer demasiado. Uma daquelas Horríveis Nobrezas, porque concluir ou reconhecer uma aprendizagem não significava necessariamente passar a agir de maneira diferente."


Se


"A vida nos pareceria subitamente maravilhosa se estivéssemos ameaçados de morrer - então declararíamos nosso amor, viajaríamos à Índia, realizaríamos nossos sonhos. E caso o cataclismo não acontecesse, voltaríamos ao cotidiano, no qual a negligência supera o desejo".


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

o que eu também não entendo...


"Verona, Itália.


Querida Julieta Capuleto,


Um rapaz tem tirado meu sono nestes últimos dias. Nós nos conhecemos no início do ano e desde então temos uma relação complicada e difícil de definir. Eu, por diversas vezes, tentei dar fim a esta confusa união, mas por algum motivo, que talvez as forças do além expliquem, eu não consigo terminar.


Recentemente, por motivos diversos, ele se mostrou outra pessoa e eu acabei me apegando. E me apegando demais. De um jeito que eu não sei descrever. Não é amor! Não é paixão. Mas é um sentimento especial que me domina e me faz perder a linha completamente.


E é ai que entra o problema. Eu que sempre tive domínio do meu querer/sentir, agora estou fazendo besteira a 3x4. Me sinto incomodada por saber que ele sabe que eu gosto dele. Sinto que com essa informação ele tem mais poder do que eu, sabe? Sei também que não se trata de uma briga de poderes, mas eu detesto saber que ele sabe dos meus sentimentos. É como se com essa informação 'valiosa' nas mãos, ele pudesse brincar comigo. É esse o meu medo. E eu estou sofrendo muito com essa situação. Eu não consigo entendê-lo e acho que ele, além de não me levar a sério, faz pouco causo disso tudo.


Eu não queria sentir isso. Queria manter as coisas do mesmo jeito: cada um na sua. Mas pra mim não é mais assim.


E agora? O que eu faço?


Com carinho,


Dita"





trecho retirado do filme 'Cartas a Julieta' e qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência