quinta-feira, 1 de julho de 2010

"Deixa o vento soprar, let it be.."


Então nós iríamos nos ver. A desculpa: ele iria me pagar uma pizza ganha em uma aposta na época em que ainda podíamos dizer que estávamos ‘juntos’. Ou quase.

Mas não estávamos mais. Aliás, eu já estava em um quase-relacionamento com uma outra pessoa. Ele eu não sabia. Não sabia como seria a primeira segunda impressão, nem o primeiro segundo olhar, ou o primeiro segundo cumprimento, ou a primeira segunda conversa, depois de tudo. A gente nunca sabe o que sobra depois do fim, mesmo que já estejamos nele. Ou não?

O fato é que eu estava curiosa. Queria saber o que iria sentir, como iria reagir, como ele estava, de trabalho-planos-família-amor. Amor, também. Já havia se passado meses desde a última vez em que nos falamos e provavelmente – eu sentia, sabia, pressentia, previa - ele já havia provado outros gostos... mas até onde teria ido e até onde teria sentido e até onde teria me superado? Como seria vê-lo consciente de que não sou nem nunca fui dele, ou observá-lo como alguém que não é nem nunca foi meu?

Foi estranho. No mínimo.

Mas foi irreparavelmente familiar. Demos um sorriso e eu soltei uma piadinha. Daquelas que costumo soltar e que eu sabia que ele iria rir. Se não por achar graça, mas pelo menos para respirar direito e sentir alívio: ele notou e baixou a guarda.

Próximo passo: amenidades. Ele me contou tudo: está quase quase abrindo a clínica, resolveu o problema da grana, mas não encontra o cara para fazer o gesso, reclamaram porque ele ainda atendia na Ufal, briga de professores, mas vai continuar atendendo a talcliente na tal nova clínica. Deve abrir em agosto. Não de deus. Agosto mesmo. E ele mal pode esperar, mas está tudo tranqüilo, tudo na paz. Ele está fazendo musculação. Quer aprender dança de salão. Viu um jeito novo de ver a vida. Está feliz.

Passo seguinte: eu, claro, começo a cutucar a onça com vara curta (leia-se, com um palitinho de dentes). E amores? Vamos lá, sem melindres, conta tudo. Ele contou. Ficou com uma menina. Uma, duas, três vezes. Cansou. Viu que era melhor ficar sozinho do-que-ter-relacionamentos-superficiais. Entendi (eu disse..). ele não me perguntou ‘e você’. E completou: ‘não vou perguntar, não quero saber’. Ok. Tudo bem. Não digo. Fiquei sem palavras.

Ele pediu para tocar meu cabelo. Eu respondi ‘melhor-não’. Chamou para irmos à praia, com aquela voz que eu conhecia muito bem. respondi Melhor-Não. E na despedida..me chamou para um cinema e eu disse... vamos, sim, marcar um dia desses. Mas pensei ‘melhor-não’. Melhor não enganá-lo. Eu disse então ‘melhor-não’ e perguntei (pedindo e com medo) se poderia ser sincera. Ele disse ‘melhor não’ ou pelo menos não totalmente. me-diga-quase-tudo-mas-não-me-diga-se-estiver-com-alguém. “Melhor não dizer nada, então”, respondi. “Não dá para meios termos, você sabe. Ou te conto tudo ou não te conto nada’. Ele ficou no melhor-sim-melhor-não e no fim: “tudo bem, me diga”.

Eu estou com alguém sim. E entrei naqueles olhos de caramelo dele. Os olhos estavam duros, presos nos meus, sem aparência surpresa, sem qualquer indício de fraqueza. Ele respondeu: isso já estava previamente configurado. Eu não entendi. Como ele pode usar a palavra ‘configuração’ depois de eu ter lhe dito. Estou com alguém.

Prendi a respiração e soltei de uma vez, junto com o ar:

“Seja lá o que deu e o que não deu certo entre a gente... ficou. Pode ter certeza. Mas a gente se afastou, então eu fui em frente, eu não podia me interromper, sabe? E agora, claro, ver você mexeu comigo, mas não posso prometer nada agora. Você não merece banho-maria. Você não merece que eu esteja nem remotamente dividida entre você e alguém.”, consegui, finalmente, dizer.

Ele franziu as sobrancelhas e aqueles olhos de caramelo estavam duros, perfurando como aquele doce pontudo que vendem de porta em porta enquanto tocam aqueles sininhos. Ele me respondeu:“Eu não aceitaria uma situação paralela. E tenho certeza como você não faria isso comigo, nem com ninguém”.

Concordei com a cabeça. mas por dentro eu pensava ‘melhor ele não saber o quanto eu mudei’. “Eu não faria isso com você nunca”, reforcei, querendo, no íntimo, apenas retificar. Então olhei os olhos de caramelo e, ao invés dos sinos, ouvi aquela voz familiar me responder: “a historia da gente não terminou, mas eu não estou com pressa”.

Abriu a porta e saiu. “Como posso estar tão calma?”, pensei e fiquei segurando o volante do carro por alguns segundos, ainda. O sinal de alerta ligado, enquanto eu sinalizava para voltar para casa. Para voltar ao presente, de onde, eu sabia, não deixei em nenhum momento, mesmo ao encontrá-lo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário